Sobre a paciência

A paciência seria uma virtude perfeita se ao menos alguém tivesse um relógio suficientemente grande para medir a eternidade. Isso, no entanto, geralmente não faz parte dos pertences que ostentamos nos punhos e bolsos. Tenho certeza que a tarefa seria bem desempenhada com uma ampulheta do tamanho de Angkor Wat ou da Basilica de San Pietro. Somente se alguém aguardasse de forma realmente escorreita e aceitasse o tempo como ele é, esse seria o homem a deslizar por nós como uma cascata serena de areia dourada, mas isso gritaria suas muitas desvantagens. Receio ser necessário ater-se ao presente e ao futuro próximo nesta forma de contemplação filosófica. Para esse propósito, de fato, a espera silenciosa seria da maior utilidade possível; na verdade, é o único uso que penso de uma espera sendo colocado de forma que possa ser digna de estima.

Não pelas gentis palavras maternas ou sequer pelas vias dos amigos que me antecipam conselhos, não fosse pelo experimento de exercitar a paciência, eu nunca a teria encontrado. Há muito tenho investigado algum espaço legível para o simples ato de aguardar. As ruas e a vida modernas, impetuosas e agitadas, não oferecem lugares claros para isso. O tempo, como o papel, é diminuto demais para qualquer exercício metafísico; e como impõem os lunáticos, “isso levaria séculos“. Mas quando tento encontrar um instante de respiro no meio dos dias, como a maioria de nós os vive, fico continuamente desapontado. Encontro uma torrente infinita de interrupções, incêndios, intercorrências e alertas eletrônicos, todos pendurados como uma cortina de obrigações minúsculas entre mim e a majestade do silêncio. Examinei os calendários e, para minha surpresa, descobri que já estavam cobertos de prazos, meus e alheios. Examinei os relógios, eles já estavam repletos de números teimosos, insistindo em marchar com a precisão impiedosa de um exército de formigas.

Não havia encontrado um único cômodo desocupado para simplesmente esperar até que, por um erro feliz, esqueci-me de verificar o tempo. Então, a luz daquele momento vazio inundou meus sentidos, aquela vastidão de segundos esticados como uma maré sem ondas. Mas como todas as revelações, uma vez percebida, foi considerada inalcançável, bem mais rígida do que qualquer outro ideal abstrato. Pois minhas volições de aguardar em silêncio foram prontamente enfraquecidas — não importa se por minha esposa ou pela voz de um amigo avarento — e até mesmo minha disposição de observar as nuvens e os múltiplos verdes das árvores sem consultar meu relógio foi criticada. Aprendi também a ser paciente com a chacota dos que me tomam contemplando as belezas do mundo. No entanto, tenho certeza de que foi de pessoas com minhas inclinações que surgiram as verves para a edificação de monumentos, castelos e palácios, que demoraram séculos para serem erguidos, ou para a composição de sinfonias, que se encenam como narrativas do próprio tempo, ou ainda para o imaginário da Biblioteca de Babel de Borges, narrativa de tempo algum.

O sermão moderno sobre a paciência é por demais austero e repugnante. De todas os predicados dos nossos dias que parecem apontar para algum tipo de declínio, não há nenhum mais perigosamente ruidoso do que a celebração do imediatismo às custas da contemplação. Se há algo pior do que a perda da coragem moral de muitos dos nossos próximos, é a perda da paciência. Considera-se mais vergonhoso esperar em uma fila do que gritar com uma atendente. Ou então justificar a moda da psicóloga que repete o mote professoral segundo o qual “todos precisamos de terapia”, mas torce para que aquela paciente excessivamente lamuriosa cancele a próxima sessão — afinal de contas, a paciência deve ter suas exceções escolhidas a dedo.  A hesitação, que já foi sinônimo de reflexão, agora é vista como um defeito social. O progresso, que deveria significar a construção meticulosa do futuro, tornou-se um ídolo dos céleres e impacientes.

Os tiranos apressam-se em suas revoluções, e os santos, conforme me disseram os mais inteligentes, esperam por terços de séculos em seus áridos desertos. É esse o grande Diabo da nossa cultura, que torna suas engrenagens sempre mais céleres enquanto seu espírito se torna volátil e permissivo onde não o deveriam ser. Os gestos e atitudes de um homem devem ser maleáveis, libertos e inundados de criatividade, mas o que exige ser imutável são seus valores e princípios, além de seu desejo de neles perseverar. Mas o que ocorre é o seu oposto: nossas visões mudam constantemente, mas nossa impaciência não muda. Seria oportuno demais estar cercado de pessoas de convicções fortes, mas quanto ao seu senso de urgência, que o tenham às vezes à beira de um lago ou na base de uma montanha, às vezes na janela de um trem atrasado, ou diante de um bolo de mãe assando no forno. Que defendam suas crenças com firmeza, mas que o façam sem bater impacientemente na mesa.

Esta alarmante opção pela impaciência significa realmente uma opção exagerada pelas qualidades e resultados que a mera pressa pode prometer, enquanto se esquece daquelas virtudes que apenas o tempo pode ensinar. A paciência nunca se constrói em um dia, pois sua natureza exige muitos deles para ser formada. Já se sabe que podemos – e devemos – falhar quando o apelo à espera nos for exigido, pois sem a falha não reconheceríamos o que a torna uma virtude. Um homem suporta e se acostuma a agir impulsivamente nas primeiras horas após seu despertar, mas não consegue esperar cem anos pela realização de um ideal. E em se tratando de possibilidades, prestemos um pouco mais de atenção às do sereno e do inesperado. Atrevo-me aqui a dizer que quando eu despertar de qualquer estado de paciência, quero levantar-me em algum ato de invencível bondade.

Nas Meditações de Marco Aurélio é esta a virtude fundamental para governar a si mesmo; em Aristóteles, é essencial para a prudência e a justiça; ou em Santo Agostinho, ela ajuda a suportar percalços e sofrimentos em nome de um propósito maior. Aos que desejam aprofundar-se nas semânticas da paciência, gostaria de apontar o dedo em direção a uma imperiosa prudência. Mesmo para aqueles que podem exercer sua espera de maneira produtiva, como os artesãos e pintores, e ainda mais para aqueles cuja espera parece vazia — como sentinelas em torres de presídios —, é óbvio que a paciência deve ser ocasionalmente interrompida pela ação. Mas não é essa a cautela que quero crasear. O cuidado é o seguinte: se você for paciente, que o seja sem nenhum motivo. Isso certamente não se aplica aos que esperam apenas porque não têm outra alternativa. Mas se um homem for paciente, deixe-o fazê-lo sem um plano orquestrado de benefícios futuros, e  então ele se tornará um homem verdadeiramente livre. Afinal, a paciência não é um meio, senão um dos mais belos fins que a alma pode alcançar. Mas se esse homem o fizer por alguma razão pragmática, se ele tiver em riste e prontidão algum argumento de eficiência, ele pode se levantar apenas como mais um dentre todos os cínicos que nos tornamos.

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