
O tratamento da enxaqueca passou por uma grande transformação nos últimos anos. Por décadas, os pacientes que necessitavam de prevenção tinham que recorrer a medicamentos originalmente desenvolvidos para outras condições, como antidepressivos tricíclicos, betabloqueadores e antiepilépticos. Embora essas abordagens pudessem oferecer benefícios, muitas vezes vinham acompanhadas de efeitos adversos significativos, como ganho de peso, fadiga, sedação excessiva e impacto na cognição. Com o avanço da pesquisa em cefaleias, ficou claro que o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) desempenha um papel central na fisiopatologia da enxaqueca, abrindo caminho para terapias direcionadas.
A descoberta do envolvimento do CGRP na enxaqueca levou ao desenvolvimento de uma classe de medicamentos inovadores, os anticorpos monoclonais anti-CGRP, voltados para a prevenção da doença. Essas terapias foram desenvolvidas especificamente para bloquear a via do CGRP, um neuropeptídeo que atua como vasodilatador e mediador da dor. Durante uma crise, os níveis de CGRP aumentam, promovendo inflamação neurogênica e sensibilização central e periférica. O bloqueio dessa via reduz a hiperexcitabilidade do sistema trigeminovascular, prevenindo ou atenuando as crises de enxaqueca.
Os anticorpos monoclonais anti-CGRP foram a primeira classe de medicamentos desenvolvida exclusivamente para a enxaqueca. Atualmente, quatro fármacos estão aprovados:
- Erenumabe – antagoniza o receptor do CGRP.
- Galcanezumabe, fremanezumabe e eptinezumabe – ligam-se ao CGRP circulante, impedindo sua interação com o receptor.
Esses anticorpos monoclonais são administrados por via subcutânea ou intravenosa e apresentam meia-vida longa, permitindo que as aplicações sejam realizadas mensalmente ou trimestralmente, dependendo do medicamento. Ensaios clínicos demonstraram que pacientes que utilizam esses fármacos apresentam redução significativa na frequência e intensidade das crises, além de uma melhora na funcionalidade e na qualidade de vida. Em estudos comparativos, foi observado que aproximadamente 50 a 60% dos pacientes apresentam redução de pelo menos 50% na frequência das crises, enquanto 15 a 20% podem alcançar uma redução de 75% ou mais.
A introdução dessa nova classe de medicamentos trouxe inúmeras vantagens para os pacientes. Primeiro, essas terapias são mais bem toleradas do que os tratamentos preventivos tradicionais, uma vez que atuam diretamente no mecanismo da enxaqueca, sem afetar outras funções do sistema nervoso central. Os efeitos adversos mais comuns incluem constipação (particularmente com erenumabe), fadiga leve e reações no local da injeção. Outra grande vantagem é a ausência de risco de abuso de medicamentos, o que os torna uma opção segura para pacientes que utilizam analgésicos com frequência e estão em risco de desenvolver cefaleia por uso excessivo de medicamentos (MOH).
Entretanto, apesar de seus benefícios, essas terapias ainda enfrentam desafios, principalmente em relação ao acesso. No Brasil e em muitos países, os anticorpos monoclonais ainda são medicamentos de alto custo, e nem sempre estão disponíveis nos sistemas públicos de saúde ou cobertos por planos de saúde privados. Além disso, nem todos os pacientes são candidatos a esses tratamentos. De acordo com diretrizes internacionais, essas terapias são recomendadas para indivíduos que apresentam pelo menos quatro dias de enxaqueca por mês e que não obtiveram resposta satisfatória a pelo menos dois tratamentos preventivos convencionais.
Outro ponto que merece atenção é a necessidade de acompanhamento contínuo. Embora os anticorpos monoclonais tenham uma ação prolongada e exijam menos intervenções ao longo do tempo, ainda não há consenso sobre a duração ideal do tratamento. Muitos especialistas recomendam reavaliação após seis a doze meses de uso, com a possibilidade de interrupção do medicamento para verificar se a resposta terapêutica se mantém.
À medida que essas novas terapias se tornam mais acessíveis, espera-se que mais pacientes possam se beneficiar dos avanços no tratamento da enxaqueca. A escolha de anticorpos monoclonais deve levar em consideração fatores como gravidade da enxaqueca, histórico do paciente, preferências individuais e custo do tratamento.