Considerações especiais sobre a enxaqueca durante a gravidez e a lactação

A enxaqueca é uma doença neurológica comum, afetando aproximadamente 1 bilhão de pessoas mundialmente, com uma proporção de 3:1 entre mulheres e homens. A prevalência é mais alta em mulheres em idade reprodutiva (24%), tornando essencial compreender como a gravidez influencia a enxaqueca e como gerenciar essa condição durante a gestação e lactação.

Influência da gravidez sobre a enxaqueca

Estudos indicam que entre 50% e 80% das mulheres com enxaqueca experimentam uma redução na frequência e na intensidade das crises durante a gravidez, especialmente após o primeiro trimestre. Isso está relacionado ao aumento dos níveis de estrogênio, que atingem um pico 30 a 40 vezes superior ao nível máximo do ciclo menstrual normal. Contudo, cerca de 10% das mulheres podem apresentar piora ou início dos sintomas durante a gestação. A enxaqueca sem aura tende a melhorar significativamente, enquanto a enxaqueca com aura pode persistir ou até piorar em algumas gestantes.

Um estudo longitudinal analisou 1.200 mulheres grávidas com enxaqueca e verificou que 63% relataram melhora após o primeiro trimestre, 22% permaneceram com crises frequentes e 15% tiveram piora dos sintomas. Além disso, gestantes com enxaqueca apresentaram um aumento de 30% no risco de hospitalização por complicações relacionadas à cefaleia.

Impactos e manejo da enxaqueca na gravidez

Mulheres com histórico de enxaqueca têm um risco aumentado de complicações obstétricas, incluindo:

  • Hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia – Estudos apontam que gestantes com enxaqueca apresentam um risco duas vezes maior de desenvolver hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia, especialmente quando há enxaqueca com aura.

  • Risco cardiovascular – A gravidez induz um estado de hipercoagulabilidade, exacerbado na presença de enxaqueca com aura. Dados indicam que o risco de AVC isquêmico é três vezes maior em mulheres grávidas com enxaqueca.

  • Maior risco de parto prematuro e baixo peso ao nascer – Mulheres com enxaqueca têm um risco 1,9 vezes maior de dar à luz bebês com baixo peso, e a taxa de parto prematuro pode ser até 2,3 vezes maior em comparação a gestantes sem enxaqueca.

O tratamento deve priorizar a segurança materno-fetal. As opções seguras incluem:

  • Paracetamol (primeira escolha, com eficácia em crises leves e moderadas)

  • Metoclopramida (para náuseas associadas às crises)

  • Sumatriptano (uso controlado, evidências sugerem segurança relativa)

  • Bloqueio do nervo occipital maior (alternativa eficaz para crises refratárias)

Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) podem ser usados antes de 32 semanas, mas devem ser evitados no terceiro trimestre devido ao risco de fechamento prematuro do ducto arterioso fetal. Em uma revisão de estudos clínicos envolvendo 1.800 gestantes, o uso de sumatriptano não foi associado a um aumento significativo de malformações congênitas, tornando-se uma opção viável sob supervisão médica.

Enxaqueca e lactação

Mais de 50% das mulheres voltam a apresentar crises de enxaqueca no primeiro mês pós-parto, especialmente devido à queda abrupta dos níveis de estrogênio. A amamentação pode oferecer um efeito protetor temporário, retardando a recorrência das crises. Entretanto, a privação do sono e o estresse materno podem atuar como gatilhos para novas crises.

O tratamento na lactação deve considerar o risco de transferência de medicamentos pelo leite materno. Estudos mostram que a excreção de triptanos no leite é baixa, com uma dose infantil relativa de 0,7% a 5,0%, sendo mais baixa para eletriptano e sumatriptano. Paracetamol e ibuprofeno são seguros, enquanto opioides devem ser evitados devido ao risco de sedação neonatal.

Uma análise de 650 lactantes com enxaqueca indicou que 78% utilizaram paracetamol como tratamento de primeira linha, enquanto 12% usaram triptanos esporadicamente sem efeitos adversos relatados nos lactentes.

A enxaqueca na gravidez requer um manejo cuidadoso, equilibrando a necessidade de tratamento com a segurança materno-fetal. Opções não farmacológicas, como acupuntura, biofeedback e bloqueios nervosos, são alternativas seguras. Na lactação, a seleção de medicamentos deve levar em conta a excreção no leite e os possíveis efeitos sobre o lactente. Estratégias preventivas, como a regulação do sono, redução do estresse e técnicas de relaxamento, também podem contribuir para o controle da enxaqueca nesse período desafiador para as mulheres.

Referências

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